sábado, 13 de setembro de 2008

Faça-se a luz: divagações sobre C & T

Como a maioria sabe, e como já foi discutido rapidamente nesse blog em outro post, a tsunami que atingiu os continentes asiático e africano no final de 2004 teve seu epicentro em uma distúrbio sísmico no meio do Oceano Índico, que deslocou enormes quantidades de água e culminou na formação da onda gigantesca que arrasou os litorais que a receberam. Apesar de todo desenvolvimento científico e tecnológico, não havia como impedir o fato, assim como não temos nenhuma possibilidade de diminuir o período de rotação da Terra e esticar o dia em mais algumas horas. Mesmo reconhecendo a implacabilidade de um evento geológico de tamanha intensidade, a tragédia humana não era inevitável. A falta de perspectiva científica dos governantes e autoridades locais, unida à ausência de assessoria técnica adequada e ao pouco (ou nenhum) investimento no desenvolvimento tecnológico, contribuiu de forma decisiva para o desastre anunciado, levando à perda de milhares de vidas humanas. Nada leva a crer, no entanto, que casos semelhantes não voltarão a acontecer em um futuro próximo.

Abalos sísmicos e eventos naturais como a erupção de vulcões e a passagem de tornados podem ser previstos com uma certa margem temporal de segurança, na maioria das vezes suficiente para a evacuação das potenciais áreas de maior impacto. Cenas como essa são comuns em países com larga experiência nesse tipo de questão, como os Estados Unidos e o Japão. A ciência bem utilizada teria o poder de transformar o ocorrido. Esperar apenas que o profeta aponte os caminhos e garanta a salvação é um comportamento, no mínimo, ingênuo e, sobretudo, perigoso.

A recente passagem de furacões de grande intensidade pelo litoral caribenho e sul dos Estados Unidos também mostra como a ciência bem aplicada e levada a sério, com investimentos maciços em tecnologia e informação, pode ser o diferencial entre o bem estar e a morte para a nossa espécie. Em 2005, os furacões Katrina e Rita, especialmente o primeiro, praticamente arrasaram a região mais pobre da América do Norte, deixando a capital do jazz, Nova Orleans, submersa, e outras cidades destruídas quase que por completo. Mais uma vez, sabia-se com antecedência o caminho dessas espirais mortais desde sua formação no meio do Oceano Atlântico e com que grau de destruição elas atingiriam o país. O acompanhamento das mudanças de rota dos furacões foi feito, minuto a minuto, por instrumentos meteorológicos e torres de controle do tempo, e os informes liberados, mas não foi dada prioridade à tragédia anunciada e o mundo assistiu, impávido, à destruição provocada pelos ciclones. Não havia qualquer plano de contingência, rotas alternativas de evacuação das cidades atingidas, mobilização prévia de tropas militares ou civis para auxiliar os moradores. Os furacões passaram e se estabeleceu o caos. Desconsiderando as causas da tragédia – que por muitos têm sido imputadas exclusivamente ao desregramento do homem perante o meio-ambiente ou a um improvável contra-ataque da natureza, sem considerar os ciclos de aumento e diminuição global da temperatura, e a ocorrência de catástrofes desse porte no planeta desde sua formação – se os avisos dos cientistas tivessem sido tomados como base para o estabelecimento de estratégias para salvaguardar as regiões afetadas, essas linhas talvez não estivessem sido escritas da maneira como você as está lendo agora. Mas quem ouve o que os representantes da ciência dizem? De fato, descontados os apelos imediatistas sobre alguns aspectos do desenvolvimento científico-tecnológico (como as querelas sobre aquecimento global, biocombustíveis e fontes "limpas" de energia), o discurso político é pouco afeito ao que se passa nas bancadas e computadores dos laboratórios, o que é um absoluto contra-senso, visto que a ciência e a tecnologia são centrais para o gênero Homo desde o controle do fogo e as primeiras experiências na criação de instrumentos para caça, há aproximadamente 750 mil anos. Fala-se muito em guerra contra o terrorismo, melhoria da saúde, da educação, da economia, mas sempre de forma inócua e impraticável – não se vêem candidatos discutindo sobre mais verbas para grandes (ou pequenos) projetos científicos, divulgação e conscientização da importância das ciências ou o impacto das tecnologias na vida moderna. Os jornais de maior circulação dão quase tanto espaço para C & T quanto para horóscopo (e muito menos do que para fofocas de pseudo-celebridades). Isso não ocorre apenas no Brasil, como o noticiário internacional aponta todos os dias.

É um clichê mas vale ser enfatizado sempre: a ciência e seu contra-ponto tecnológico são indispensáveis para a sobrevivência da nossa espécie. Estão de tal maneira entranhadas na nossa rotina diária que, por vezes, passam despercebidas, e só são trazidas à tona em períodos conturbados como os citados acima. O grande público não discute ciência como o faz com a religião ou o entretenimento, o que significa menosprezar a importância do conhecimento científico em detrimento de esoterismos e fugacidades. Questionam os cientistas por "brincarem de Deus" (o que quer que isso possa significar) mas não substituem seus medicamentos por orações para esse ou aquele santo. Conhecem São Paulo, São Judas, São Nicolau (?), Jesus Cristo, Maomé e uma lista infindável de nomes sacros, não tendo a menor idéia de quem foram Arquimedes, Newton, Bell, Daguerre, Darwin, Einstein (aquele maluco que andava sempre com os cabelos para cima, não é?) ou Feynman. Não obstante, para o não-iniciado, a ciência é vista como inatingível, distante, fria e hermética, uma atividade que exige níveis de excelência intelectual restritos à uma pequena parcela da população, abrilhantada por uma mente de gênio repleta de idéias dignas de “Eureca!”. Isso é falso. Qualquer um pode fazer ciência ou ao menos inquirir sobre ela. Quem nunca se perguntou sobre como as imagens se formam na televisão, sobre por que a luz se faz quando apertamos o interruptor na parede do quarto ou sobre o funcionamento de um chip de computador? A ciência começa aí, com a dúvida, e caminha a partir dela. Obviamente, e assim como qualquer outra ocupação humana, ela tem suas idiossincrasias, regras, métodos e limitações, mas nada que não seja perfeitamente compreensível se a atividade for valorizada desde os primeiros anos da educação formal e para o restante da vida do indivíduo.

Esse olhar inquiridor se distancia da credulidade "benevolente" dos seguidores de religiões, que são treinados a não questionar verdades fundamentais aos seus credos, quaisquer sejam elas, e acabam por se conformar em viver em um mundo cujas explicações remontam sempre ao altíssimo que tudo pode e tudo conhece, sem deixar, é claro, de utilizar a internet para enviar suas correntes de mensagens sobre o divino. O aprofundamento de questões científicas é premente na sociedade moderna e demanda o estudo do contexto científico no qual são feitas descobertas e invenções e o reconhecimento da importância da ciência como o norte da existência humana. Investir em ciência e tecnologia é uma das maneiras de garantir a manutenção de uma sociedade saudável capaz de despertar das ilusões que tentam tomá-la de assalto. E também pode salvar vidas.

Este post pertence ao Roda de Ciência. Por favor, insira seus comentários aqui.