sábado, 28 de fevereiro de 2015

O avesso da vida

Pensem sobre as coisas perversas que são decretadas pela religião. A mutilação dos genitais de crianças, por exemplo. Quem faria isso, se não fosse, visivelmente, uma promessa selada com Deus? Quem iria dizer, ao receber um recém-nascido, ‘Parece perfeito, mas precisa ser mutilado na genitália antes de ficar realmente ok’? Somente a religião levaria as pessoas a fazer algo tão horrível, tão insano.
Os que alegam conhecer a mente de Deus estão tentando investir-se de autoridade humana - a sua própria - sob um disfarce divino. E não fazem isso porque querem poder no outro mundo, senhoras e senhores, irmãs e irmãos. Fazem isso porque querem poder neste mundo.
Quem alega saber de fato já dispõe de toda a informação da qual precisa e não quer que mais perguntas sejam formuladas. Quem diz, como diriam os muçulmanos: “Já temos um Livro, o que mais vocês querem?” “Temos a última palavra e a palavra final”. “Todas as demais perguntas são desnecessárias”, esses são os inimigos da liberdade, os inimigos do pensamento, os inimigos da sociedade.
Christopher Hitchens (2007), Deus não é grande

‘Se há um Deus que desempenha um papel no nosso mundo, eu comerei todos os chapéus desta cidade’ – e no entanto não pude evitar ser pego pelo espetáculo desta adoração à rocha, exemplo, para mim, do aspecto mais pavorosamente retardado da mente humana.
Você pode sair por aí beijando todos os muros do mundo, e todas as cruzes, e fêmures, e tíbias de todos os santos mártires abençoados que já foram trucidados pelos infiéis e, de volta ao escritório, ser um filho da puta para os seus funcionários e em casa um perfeito pentelho para a família.
Philip Roth (1986), O avesso da vida

Com grande freqüência os líderes espirituais cerraram fileiras no sentido de apoiar o escravismo, direta ou indiretamente. Não eram poucos os que justificavam o seqüestro forçado dos negros africanos para a escravidão americana, dizendo que estes, dessa forma, eram convertidos ao cristianismo e que a salvação de suas almas compensava amplamente a escravidão de seus corpos.(...) E quem é o maior beneficiário de uma religião que se propõe a suprir as necessidades espirituais de escravos e servos, assegurando a estes que sua condição terrena representa a vontade de Deus e prometendo-lhes uma vida de eterna bem-aventurança após a morte, contanto que não cometam o pecado de se rebelar contra essa vontade? Será o escravo, cuja vida poderá tornar-se mais suportável pela contemplação dos Céus? Ou será o senhor de escravos, que poderá ficar menos preocupado em mitigar o pesado fardo dos oprimidos e despreocupado quanto a uma possível revolta.
Issac Asimov (1989), Antologia 2: os melhores ensaios científicos de Asimov

Os desígnios de deus são inescrutáveis, nem nós, anjos, podemos penetrar no seu pensamento, Estou cansado da lengalenga de que os desígnios do senhor são inescrutáveis, respondeu caim, deus deveria ser transparente e límpido como cristal em lugar dessa contínua assombração, deste constante medo, enfim, deus não nos ama, Foi ele quem te deu a vida, A vida deram-ma meu pai e minha mãe, juntaram carne à carne e eu nasci, não consta que deus estivesse presente no acto, Deus está em todo lado, Sobretudo quando manda matar, uma só criança das que morreram feitas tições em sodoma bastaria para o condenar sem remissão, mas a justiça, para deus, é uma palavra vã (...)
José Saramago (2009), Caim 

Os filósofos ampliam o significado das palavras até que elas pouco conservem de seu significado original: ao chamar de “Deus” alguma abstração vaga que criaram para si mesmos, eles se apresentam como deístas, crentes, ante o mundo; podem até se orgulhar de terem atingido uma ideia mais elevada e mais pura de Deus, embora o Deus deles não passe de uma sombra sem substância e não seja mais a personalidade poderosa da doutrina religiosa.
Sigmund Freud (1927), O futuro de uma ilusão


Fig1: http://en.wikipedia.org/wiki/Crusades#mediaviewer/File:Philippe_Auguste_arrivant_en_Palestine.jpg
Fig2: http://www.smh.com.au
Fig3: http://nypost.com
Fig4: http://colunas.revistaepoca.globo.com
Fig5: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Inquisition.jpg

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Treinando macacos para o circo


Dê uma boa olhada nessa foto. Analise a expressão do macaco esperando ser ensinado pelo seu professor a fazer malabarismos e agradar às milhares de pessoas ávidas por diversão e entretenimento. Tente imaginar o que se passa na sua mente dita primitiva.

Nossa espécie, o Homo sapiens, é apenas um dentre mais de um bilhão de ramos da árvore da vida que viceja no planeta Terra. Infelizmente, nossos sistemas sociais ainda baseiam sua organização ética na centralidade humana, o que ignora realidades já compreendidas pela ciência e justifica a utilização instrumental que o homem faz da natureza. Essa prática especista dá ao Homo sapiens o auto-instituido direito de subjugar quaisquer outros organismos, explorando-os de forma cruel, escravizando-os e, muitas vezes, assassinando-os sem cerimônia.

Há mais de 130 anos, Charles Darwin (1809-1882) escreveu no The Descent of Man (A ancestralidade do homem): "O fato de que os animais inferiores são estimulados pelas mesmas emoções que nós mesmos está tão bem estabelecido que não será necessário cansar o leitor com detalhes. Atos de terror agem da mesma maneira neles e em nós, causando tremores nos músculos, o coração a palpitar, o relaxamento dos esfíncteres e o arrepio dos cabelos". A despeito do uso do termo inferior, Darwin nos dizia que todas as espécies do planeta compartilham atributos, mesmo que elas estejam evolutivamente muito distantes. Nós temos características em comum com amebas, planárias, baobás, cogumelos, moluscos, baratas, caranguejos, tartarugas, golfinhos, gatos, vacas e pandas. E macacos.

Agora dê outra boa olhada na foto acima. 

Em Suzhou, na província de Anhui (na China), onde a foto foi tirada, existem mais de 300 trupes de circo. O fotógrafo responsável pelo registro é Yongzhi Chu, premiado na categoria Natureza na World Press Photo of the Year (2014).